A Justiça Eleitoral maranhense decidiu rejeitar a denúncia que apontava suposta fraude à cota de gênero por parte do partido Podemos nas eleições de 2024 em São Luís. Na prática, o julgamento inocenta o partido e suas candidatas de acusações que, à primeira vista, apresentavam indícios suficientes para ao menos justificar uma apuração mais rigorosa. A decisão gera preocupação ao sinalizar um possível retrocesso no enfrentamento de um dos mecanismos mais comuns de distorção da participação feminina na política: as candidaturas fictícias, conhecidas como “laranjas”.
Segundo a denúncia apresentada pelo Partido Republicanos e outros autores, três mulheres foram lançadas pelo Podemos apenas para preencher formalmente o percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas, exigido por lei. Documentos e indícios apresentados apontavam votações inexpressivas — uma das candidatas recebeu apenas 18 votos, apesar de ter declarado R$ 300 mil em gastos de campanha —, além de ausência de atos efetivos de campanha e prestações de contas supostamente padronizadas, com repasses a empresas ligadas ao comando partidário.
Apesar do robusto volume de documentos, o juízo entendeu que os elementos apresentados não configurariam, de forma inequívoca, a prática de fraude. Baseou-se, principalmente, no argumento de que atos mínimos, como distribuição de santinhos, fotos em reuniões políticas ou publicações pontuais em redes sociais, seriam suficientes para afastar o caráter fictício das candidaturas.
É preciso questionar esse entendimento. Na prática, ele flexibiliza perigosamente os critérios para caracterizar a fraude à cota de gênero, ignorando o contexto e o conjunto dos indícios. A legislação eleitoral e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já consolidaram que, embora votação baixa ou ausência de atos de campanha não sejam isoladamente suficientes para configurar a fraude, o conjunto de elementos — incluindo movimentação financeira incompatível e conexões partidárias suspeitas — pode sim revelar a prática ilícita.
No caso do Podemos, o próprio processo revelou que as três candidatas concentraram gastos em empresas com vínculos diretos ao comando do partido. As redes sociais apontaram ausência ou timidez extrema na campanha. E o histórico de baixa votação, aliado à inconsistência dos relatos, reforça a suspeita.
Ao desconsiderar esses fatores, a Justiça Eleitoral não apenas perde uma oportunidade de coibir a manipulação da cota de gênero, mas sinaliza às agremiações partidárias que basta criar uma fachada mínima de campanha — independentemente da efetiva competitividade ou seriedade da candidatura — para driblar a legislação.
O resultado desse tipo de decisão é perverso. Desestimula a participação legítima de mulheres na política e mantém uma estrutura viciada, em que partidos cumprem a cota no papel, mas perpetuam o predomínio masculino nas cadeiras do Legislativo.
Diante desse cenário, é preciso cobrar do Ministério Público Eleitoral e das instâncias superiores maior rigor no tratamento desses casos. Combater a fraude à cota de gênero é mais do que uma obrigação jurídica: é um passo necessário para garantir a representatividade e fortalecer a democracia.