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Por Mackysuel Mendes Lins
Primeiramente, é muito importante frear os pensamentos alhures e aquelas pessoas que costumam comentar e criticar as decisões sem ler o seu teor. Rapidamente, para não delongar um assunto e complica-lo, dividirei em cinco partes.
1. O que é a figura do beijo roubado?
É comumente chamado de beijo lascivo ou beijo de micareta.
É o exemplo de um rapaz que em uma festa, ao notar uma linda menina, se dirige até a mesma e, segurando-a rapidamente, lhe dar um beijo. Isso é um beijo roubado para fins de Direito Penal.
2. Essa conduta configura o crime de estupro?
Bom, essencialmente, é importante entender o que seria o crime de estupro, previsto o art. 213 do Código Penal[1], e como se configura.
Pune-se o ato de libidinagem violento, coagido, obrigado, forçado, buscando o agente constranger a vítima à conjunção carnal (conjunção normal entre sexos opostos) ou praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso[2].
Quando se trata de violência, devemos entender o fato de que cobra-se a violência material, isto é, emprego de força física suficientemente capaz de impedir a mulher de reagir. Por outro lado, a grave ameaça se dá através de violência moral, direta, justa ou injusta, situação em que a vítima não vê alternativa a não ser ceder ao ato sexual[3].
Desse modo, o beijo roubado não configura o crime de estupro, tendo em vista que inexiste a configuração da elementar subjetiva de violência ou grave ameaça. É preciso, no ato do beijo roubado, o agente impor violência capaz de impedir a reação da vítima, ou grave ameaça capaz de fazer com que a vítima não veja outro modo senão ceder a violência moral impelida.
Ressalta-se que no exemplo utilizado, o rapaz segura rapidamente a moça e dar um beijo, não há o que se falar em violência (força física exercida sobre a pessoa, capaz de evitar qualquer tipo de reação), bem como não há grave ameaça (intimidação com o fim de subjugar a vontade da vítima pelo medo).
Uma vez que não se encontram presentes as elementares susas, não há a configuração do tipo penal de estupro pela falta de elementar típica, pela falta de dolo, que para Luiz Regis Prado “exige-se o elemento subjetivo do injusto, consistente em particular tendência ínsita no sujeito ativo (…) Presença de um ânimo lúbrico (sensual, lascivo, devasso, libidinoso), ou seja, de uma finalidade de excitar ou satisfazer o impulso sexual próprio ou alheio”[4].
Não estando presente o dolo, não há no que se falar na modalidade culposa, visto que o legislador não admitiu tal hipótese no art. 213, do Código Penal, ou seja, para que possa dizer que um crime é culposo, faz-se necessário a previsão legal (tipicidade).
Quando analisamos a teoria do crime, percebemos que o fato típico é composto pela conduta, resultado, nexo causal e tipicidade, na ausência de um desses elementos, o fato é atípico. No caso do beijo roubado, temos a hipótese de atipicidade do delito, haja vista que a ausência de dolo e culpa exclui a própria conduta e o fato típico. Motivo pelo qual não há crime de estupro.
3. A conduta configura alguma espécie de infração penal?
Sim, configura uma contravenção penal. É, não se trata de crime como vimos no tópico acima. Temos a figura da importunação ofensiva ao pudor[5], prevista no art. 61, do Decreto-Lei n.º 3.688/41 (Lei de Contravencoes Penais).
4. O que seria a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor?
É importante mencionar que a presente contravenção também atenta contra a dignidade sexual do ser humano. Está ligada à sexualidade, ou seja, ao conjunto de fatos, ocorrências e aparências da vida sexual de cada um[6].
Pois bem, salienta-se que a contravenção penal é uma espécie de infração penal que se adequa à infração de menor potencial ofensivo, por sua vez, o seu trâmite é tutelado pela Lei n.º 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais).
Essa previsão é expressa pelo art. 61, da Lei n.º 9.099/95, quando inclui no rol de infrações de menor potencial ofensivo a contravenção penal e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
Uma observação muito importante a ser feita é que por se tratar de contravenção penal, não cabe prisão em flagrante do indivíduo, é o que versa o art. 69, p. único, da Lei n.º 9.099/95[7].
Então se o indivíduo praticar a contravenção penal do beijo roubado, ou melhor dizendo, a contravenção da importunação ofensiva ao pudor (art. 62, da LCP), deverá ser encaminhado à autoridade policial para que seja lavrado um TCO – Termo Circunstanciado de Ocorrência, sendo o indivíduo imediatamente encaminhado a presença do juiz ou prestando compromisso de comparecimento, nos termos do art. 69, p. único, do LJECC.
Uma das observações significativas a serem feitas é o fato de que a contravenção da importunação ofensiva ao pudor é muito confundida com o crime de estupro, visto que guardam algumas semelhanças que muito confundem as pessoas leigas e a mídia que não possui esse conhecimento técnico.
Analise o ponto em que no crime de estupro, a vítima não tem soberania sob seu pensamento, escolha, vontade e ação. É tomada por força física e impedida de reagir, ou por grande coação moral que lhe atribui medo capaz de impedir qualquer reação. Por outro lado, na importunação ofensiva ao pudor, a vítima ainda que sob algum tipo de afronta à sua dignidade sexual, pode escolher por permanecer ou não na situação.
O agente que rouba um beijo de uma menina, não impede a reação da mesma, ela pode decidir por permanecer no beijo ou se afastar, o empurrar ou até mesmo sair do local. Porque qualquer prática de ato por parte do agente que venha a impedir, utilizando da força ou impelindo medo, caracterizará o crime de estupro.
5. Como ficou o entendimento do STJ a respeito do beijo lascivo?
O STJ entendeu que o beijo lascivo configura o crime de estupro? Na verdade, não. O caso que foi julgado pela 6ª turma, foi o seguinte: O agente abordou de forma violenta e sorrateira a vítima com a intenção de satisfazer sua lascívia, o que ficou demonstrado por sua declarada intenção de “ficar” com a jovem – adolescente de 15 anos – e pela ação de impingir-lhe, à força, um beijo, após ela ser derrubada ao solo e mantida subjugada pelo agressor, que a imobilizou pressionando o joelho sobre seu abdômen.
Neste caso, é óbvio que estamos diante da figura do crime de estupro. Precisamos analisar as particularidades do caso concreto. Além do “beijo roubado” e do fato de “só querer ficar”, o agente arrancou, à força, a blusa que a adolescente vestia.
Houve, nesse caso julgado pelo STJ, uma indiscutível violência sexual, pois o agente envolveu a vítima por trás, com uma mão laçando o pescoço (ação de enforcamento) e outra tapando sua boca, derrubou-a no chão e pressionou seu joelho contra o abdômen da ofendida. Mesmo com a resistência oferecida pela vítima, o agressor, novamente fazendo uso da força física, agarrou-a pelos braços, retirou sua blusa e forçou o mencionado beijo de língua[8].
Ora, deve-se ter em mente que estupro é um ato de violência (e não de sexo). Busca-se, sim, a satisfação da lascívia por meio de conjunção carnal ou atos diversos, como na espécie, mas com intuito de subjugar, humilhar, submeter a vítima à força do agente, consciente de sua superioridade física[9].
A jurisprudência do STJ vem, reiteradamente, decidindo que deve ser considerado ato libidinoso diverso da conjunção carnal não apenas os atos invasivos (quando há introdução do membro viril nas cavidades oral ou anal da vítima), mas também outras condutas que deixem claro o propósito lascivo do agente[10].
Isto posto, percebemos que a decisão do STJ de configurar beijo roubado como crime de estupro não fora na condição do “beijo roubado”, tão somente, mas o fato de ter sido o beijo roubado praticado em contexto de violência física, porque satisfaz as elementares do crime de estupro.
Portanto, muito cuidado, meus colegas, se o beijo roubado não for praticado com violência física ou coação moral, temos a hipótese da contravenção de importunação ofensiva ao pudor (art. 62, da LCP), todavia, se o beijo roubado for aplicado no contexto de violência física ai teremos a hipótese do crime de estupro (art. 213, do CP).